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As brasileiras Nísia Floresta e Sophia Bisilliat e a senegalesa Mariéme fizeram revoluções que merecem ser memoradas

A educadora, escritora e poetisa Nísia Floresta tem o rosto retratado em desenho.

Três mulheres poderosas e marcadas por grandes lutas: emancipação da educação feminina, reconhecimento e autoestima de pessoas marginalizadas e acesso à tecnologia e programação para meninas e jovens mulheres pobres. Três contextos completamente diferentes, com vivências de profundas marcas. Um ponto em comum: o olhar cuidadoso, a empatia e a dedicação de quem tem o sonho de um mundo mais justo.

Neste Dia Internacional da Mulher, conheça as histórias inspiradoras da educadora e escritora Nísia Floresta, da professora de ioga Sophia Bisilliat e da empreendedora Mariéme Jamme.

Meninas também devem aprender!

Nísia Floresta, uma das representantes de mulheres poderosas, está segurando um livro e usando vestido de época em um retrato em preto e branco.

Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, não está nos livros de História do Brasil, mas deveria. Nascida em 1810, em Papari, no Rio Grande do Norte, é considerada a precursora do feminismo no país pela somatória da sua atuação como educadora, escritora e poetisa. Produziu mais de vinte obras em que se posicionava a favor dos direitos de mulheres, índios e escravos, participando ativamente das campanhas abolicionista e republicana. 

Escreveu seu primeiro livro, Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens, aos 22 anos e clamava pela reflexão sobre o status social da mulher e a participação feminina em postos de comando, como demonstra o trecho a seguir: “Por que os homens se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?”

Em uma sociedade patriarcal, escravocrata e de forte herança colonial, Nísia Floresta era vista como uma “exceção escandalosa” ao comportamento característico das mulheres de seu tempo, como pontuou seu amigo e escritor Gilberto Freyre. “No meio dos homens a dominarem sozinhos todas as atividades extra-domésticas, as próprias baronesas e viscondesas mal sabendo escrever, as senhoras mais finas soletrando apenas livros devotos e novelas se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?”

Em uma sociedade patriarcal, escravocrata e de forte herança colonial, Nísia Floresta era vista como uma “exceção escandalosa” ao comportamento característico das mulheres de seu tempo, como pontuou seu amigo e escritor Gilberto Freyre. “No meio dos homens a dominarem sozinhos todas as atividades extra-domésticas, as próprias baronesas e viscondesas mal sabendo escrever, as senhoras mais finas soletrando apenas livros devotos e novelas […], causa pasmo ver uma figura de Nísia”.

Nísia foi além das críticas e teorias. A insatisfação com a falta de acesso ao ensino de meninas fez com que criasse, em 1938, aos 28 anos, uma escola só para elas. Localizado no Rio de Janeiro, o chamado Colégio Augusto era uma verdadeira transgressão. Enquanto outras instituições para mulheres preocupavam-se com corte e costura, cuidados com o lar e códigos de etiqueta, a de Nísia ensinava línguas, ciências naturais e sociais, matemática e artes.

O Colégio Augusto inspirou outras escolas dedicadas a promoção do conhecimento para meninas. Nísia só deixou a instituição, onde era diretora e professora, quando se mudou para a Europa, em 1849, para buscar tratamentos para a filha, que havia se acidentado gravemente ao cair de um cavalo. Continuou escrevendo livros em prol de suas causas durante o tempo em que viveu além-mar até falecer, na França, em 1885.

Em 1948, 63 anos após sua morte, o município Papari mudou de nome para Nísia Floresta. Seis anos depois, recebeu da França seus restos mortais. Em 2012, a cidade inaugurou o Museu Nísia Floresta para preservar a história e a memória desta brasileira representante das mulheres poderosas, mas que até hoje permanece desconhecida para a maioria das pessoas.

Uma ponte entre dois mundos

Sophia Bisilliat, uma das representantes de mulheres poderosas, está com uma bolsa grande pendurada no ombro e um carrinho com tapetes de ioga em um vagão de metrô em São Paulo.

Todos os sábados e domingos, Sophia Bisilliat, de 56 anos, pega sua bicicleta e sai da Pompeia, zona oeste de São Paulo, até a Favela do Godói, no Capão Redondo. Ao longo dos 26 km, percorridos em 1h30 de pedalada, a paisagem vai mudando, revelando gritantes diferenças entre os modos de vida das populações dos dois territórios.

Sophia é uma espécie de ponte entre as duas realidades. Desde agosto de 2018, mantém o projeto voluntário Treino na Laje, no qual dá aulas de ioga e ginástica funcional a mulheres e crianças da periferia. Além dos exercícios, ela traz convidados especialistas para organizar diversas atividades, como dança, artes, circo, nutrição. “Na próxima semana, as mulheres terão aula de culinária francesa!”, diz, com empolgação.

Sua voz determinada não esconde a seriedade com que encara o trabalho, mesmo ele sendo voluntário. “Eu sou exigente, pego no pé quando elas faltam ao treino, prezo pelo compromisso. Sou assim com tudo em minha vida”, revela. Frequentemente, ela convoca uma caminhada pela comunidade. Além de uma propaganda para ganhar mais adeptos em seu programa, o momento também serve para estreitar laços com os moradores.

“Percebi que muitas crianças aderiam à caminhada. Elas pegam suas bicicletinhas e vão acompanhando os adultos pelas ruas. No começou achei esquisito, mas depois reparei que isso acontecia porque, para elas, era uma forma de entretenimento, de escapar um pouquinho da realidade dura que vivem”. A partir disso, começou a pedir doações de bicicletas para distribuir às crianças que não tinham. Já conseguiu 20 até agora.

As mulheres são grandes beneficiadas pela atuação voluntária de Sophia. São cerca de trinta por aula. Não hesitam em ressaltar as melhoras de postura, respiração, controle corporal, bem-estar físico e mental que adquirem com as aulas. “A autoestima também melhora. Elas começam a gostar mais de seus corpos, eu noto que se arrumam mais, especialmente porque eu posto tudo no Instagram. Elas adoram, se sentem vistas e valorizadas”, conta a professora.

Sophia tem experiência em mostrar cuidado e valorização do outro. A maior parte de sua atuação voluntária se deu no maior presídio da América Latina. Atriz de formação, aos 18 anos ela começou a dar aulas de teatro na Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, e por lá permaneceu durante vinte anos. Ajudou a reformar escolas e enfermarias e criou o projeto Talentos Aprisionados, por meio do qual buscava identificar e apoiar detentos com vocação artística.

Promoveu cursos de artes plásticas, literatura, festivais de música. Um de seus feitos conhecidos foi ter lançado a dupla de rap 509-E, formada por Afro-X e Dexter, e conseguido autorização judicial para que eles fizessem shows fora do Carandiru.  “Eu era o ponto de ligação entre o que tinha dentro e o que tinha fora dos muros. Me dedicava muito a tornar a vida dos detentos melhor e me esforçava para que os talentos deles fossem reconhecidos fora da prisão”, relata Sophia.

Tudo o que consegue, Sophia atribui a uma boa dose de atrevimento, comum a mulheres poderosas. “Sou a própria cara de pau, ainda mais quando é para conseguir coisas para quem está precisando. Não tenho nenhuma vergonha de pedir ajuda pelos outros”. Sobre o que a move para o voluntariado, ela afirma: “Eu acho que nasci um pouco para isso, para ser uma ponte. Dá um prazer imenso ver a felicidade das pessoas que ajudo”. E elas não esquecem: “Ontem mesmo me ligou um ex-detento do Carandiru. Ele só queria saber se eu estava bem. Eu respondi que sim, ele ficou feliz e desligou o telefone”.
Emancipação feminina pelo ensino da programação

Emancipação feminina pelo ensino da programação

Mariéme Jamme, uma das representantes de mulheres poderosas, está com um computador no colo, usando um vestido colorido em azul, amarelo e roxo com estampa étnica.

A empreendedora senegalesa Mariéme Jamme é embaixadora de tecnologia da Organização das Nações Unidas (ONU) e jovem líder global do Fórum Econômico Mundial. Há mais de dez anos, dedica-se ao movimento que fundou, #iamtheCODE (I am the code), que tem a meta de ensinar um milhão de meninas na África e no mundo a programar até 2030.

Em fevereiro, esteve em São Paulo palestrando para jovens da ETEC Profª Doroti Quiomi Kanashiro Toyohara, localizada em Pirituba, zona oeste da cidade. Entre março e junho, 30 alunas vão participar de uma capacitação em programação com um kit educacional criado por Mariéme, que ensina a programar, literalmente, em cinco minutos.

O Brasil foi o 51º país a aderir o movimento, em 2017. Entre metodologia, capacitação e instalação de espaços criativos, o #iamtheCODE já beneficiou mais de sete mil pessoas, de 105 cidades na Europa, no Sul da Ásia, na América Latina e na África. Até agora, 1.036 mulheres e meninas de 9 a 40 anos escolheram a metodologia para melhorar a alfabetização digital, aprender a codificar e conseguir boas oportunidades de emprego.

“Acredito que precisamos ajudar a corrigir o fracasso dos formuladores de políticas, investindo em meninas e mulheres por meio do aprendizado criativo e de tecnologia”, declara, no site de divulgação do movimento.

Autodidata, Mariéme acredita que a apropriação da tecnologia por meninas e mulheres pode mudar o mundo e, principalmente o rumo da vida das mais marginalizadas.  “Aprendi a programar sozinha, então quero dar poder às gerações futuras o conhecimento da tecnologia. Meninas e mulheres são o futuro e feminismo é dar poder a elas”, disse Mariéme em entrevista à Revista Trip.

A figura de Mariéme emana força, segurança e perseverança, características de mulheres poderosas, mas também esconde uma história de muita dor. Aos cinco anos, ela e o irmão gêmeo foram abandonados pela mãe. Depois de passar por quase 30 orfanatos em Dakar, no Senegal, foi traficada para a França, aos 14 anos. As ruas e as estações de trem e metrô de Paris viraram sua casa. Ali viveu todo tipo de abuso físico e psicológico. Aos 16, foi levada pela polícia para um abrigo para refugiados, onde aprendeu a ler e escrever por conta própria e também descobriu um verdadeiro fascínio pela matemática. Aos 19, mudou-se para Inglaterra.

Enquanto trabalhava como faxineira, cozinheira e caixa de supermercado, usava as horas livres para estudar Excel e cálculos. Foi o primeiro passo para conseguir emprego em um pequeno banco, trabalhando com dados em planilhas. Sua competência e dedicação a levaram a construir uma carreira de sucesso em grandes corporações, como HSBC e Oracle, até abrir sua própria empresa de consultoria em tecnologia, a SpotOne Global Solutions.

Nos últimos 13 anos, se dedica quase exclusivamente ao #iamtheCODE, que além de formar programadoras é o primeiro movimento global com base na África a mobilizar governos, iniciativa privada e investidores para apoiar a educação criativa de meninas e jovens mulheres por meio da STEAMED – sigla em inglês para ciência, tecnologia, artes, matemática, empreendedorismo e design.

Em palestra no TEDx, ela explica um pouco sobre sua motivação. “Às vezes, quando você vê ou sofre uma injustiça você precisa falar. Quando você vê algo não está certo você precisa falar. Então, dediquei minha vida a mulheres e meninas nos últimos anos porque não quero ver nenhuma jovem crescendo da forma como eu cresci. Eu vocalizo, sou ativista, perturbo porque não quero que nenhuma jovem sofra como eu”.

 

Três mulheres poderosas para você conhecer e se inspirar
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