Saltar para o menu de navegação
Saltar para o rodapé
Saltar para os conteúdos
Saltar para o menu de acessibilidade

Introdução

Para podermos compreender melhor as raízes do movimento de inclusão escolar que presenciamos aqui no Brasil, devemos nos debruçar sobre algumas declarações internacionais que influenciaram a formulação das leis e políticas de educação brasileiras. Desde a década de 40 e, mais intensamente, a partir da década de 90, iniciaram-se movimentos mundiais de luta pelos direitos humanos, nos quais se abordava fortemente as idéias de acesso universal à escola e de inclusão das crianças com necessidades especiais. Aqui no Brasil esta tendência se verificou, durante a década de 90, pelo crescimento de um modelo democrático de educação e pela formulação de leis para fundamentar e exigir que todas estas idéias fossem postas em prática. Isto se refletiu numa exigência de mudança dos sistemas educacionais então vigentes. Dentre estas mudanças, buscava-se justamente romper com um modelo educacional que possuía uma lógica excludente, por ignorar as diferenças de seus alunos e, não prever nenhuma medida educacional para dar conta delas.

Marcos da educação inclusiva

Três declarações internacionais, formuladas por organismos pertencentes à ONU (Unesco e Oficina do Auto Comissariado de Direitos Humanos), representam importantes marcos legais para a educação inclusiva. A ONU (Organização das Nações Unidas) foi fundada em 24 de outubro de 1945, por 51 países membros, emergindo de um contexto histórico marcado pelas duas grandes guerras mundiais, trazendo em seu bojo objetivos de paz, de cooperação internacional e de fortalecimento de valores democráticos.

A primeira destas declarações é a Declaração Universal de Direitos Humanos propalada pela ONU, em 1948, que apontava para garantia dos direitos à liberdade, à igualdade e à dignidade para todo ser humano, a despeito da raça, sexo, origem nacional, social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição. Um destes direitos básicos é o direito à educação.

Referendando a Declaração Universal de Direitos Humanos, especificamente no que concerne ao direito à educação, foi elaborada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e “Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem”. Esta declaração foi redigida em 1990, em Jomtien na Tailândia, após conferência mundial que reuniu vários representantes de governos, organismos internacionais e bilaterais de desenvolvimento e organizações não governamentais, sob a égide da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). Nesta declaração reforça-se a necessidade de reunir esforços na luta pelo acesso às necessidades básicas de aprendizagem de todos os cidadãos, sejam eles, crianças, jovens ou adultos. A questão central é a de promover um investimento nos sistemas educacionais para que seja possível o acesso de todos à educação básica. Esta declaração resultou na elaboração de um plano de ação com o objetivo de proporcionar educação básica para todos. É importante ressaltar que o Brasil estabeleceu metas e compromissos para a universalização do ensino.

Outra declaração fundamental com a qual o Brasil estabeleceu compromisso foi a Declaração de Salamanca, fruto também do trabalho da Unesco com o fim de estabelecer uma diretriz comum para a inserção da criança com necessidades educacionais especiais. Nesta declaração o foco situa-se justamente na população alvo da inclusão escolar, que são as crianças com deficiências. Esta declaração culminou no documento das Nações Unidas – “Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências”, o qual requer que os Estados assegurem a educação de pessoas com deficiências como parte integrante do sistema educacional (Declaração de Salamanca p.1). Este documento foi fundamental para que se iniciasse e se providenciasse os instrumentos de atendimento para crianças com necessidades especiais. Aqui no Brasil esta declaração certamente serviu como fio condutor do que viria a se consolidar como “Política Nacional para Inclusão das Crianças com Necessidades Especiais” e na elaboração de todas as leis relacionadas à educação especial. O Brasil assumiu, portanto, compromisso frente a estas duas declarações internacionais e é nítida a presença destes princípios nas leis brasileiras e nas diretrizes do MEC (Ministério de Educação e Cultura). Outro documento internacional, que engloba a questão da inclusão e proíbe a discriminação em razão de deficiência, é a “Convenção da Guatemala”. Esta convenção interamericana, de 1999, prevê a eliminação de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, e também foi assinada pelo Brasil.

O que é educação especial?

É importante definirmos o que é, afinal, a Educação Especial da qual a inclusão, agora, é linha mestra.

“A educação especial no Brasil segue os pressupostos formulados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que define a educação especial como modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para pessoas com necessidades educacionais especiais. A educação especial é uma modalidade de educação considerada como um conjunto de recursos educacionais e de estratégias de apoio que estejam à disposição de todos os alunos, oferecendo diferentes alternativas de atendimento.” (definição dada pelo MEC)

A Educação Especial prevê, portanto, uma rearticulação da educação no sentido de providenciar estratégias e métodos que dêem conta do atendimento às crianças com necessidades especiais. E que estes instrumentos possam ser absorvidos e utilizados não só pela criança especial, mas por toda comunidade escolar.

Estas diretrizes de inclusão estão presentes nas leis e estatutos atuais que de alguma forma abordam a questão escolar. Estão presentes na Constituição Federal, nas leis estaduais e municipais, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na LDB. Estes documentos são unânimes na prerrogativa de uma educação para todos e de que crianças com necessidades educacionais especiais devam ser inseridas preferencialmente na rede regular de ensino. Portanto, a obrigação da escola em receber crianças com necessidades educacionais especiais é uma obrigação legal, havendo inclusive penalidade para quem a descumprir. A lei n. 7.853, de 1989, que saiu um ano depois da Constituição Federal, prevê que é crime a recusa, por parte da escola, de matricular uma criança com deficiência ou cancelar presença de criança já matriculada.

A lei existe, mas para que ela seja cumprida, de fato, é necessário que a sociedade e cada um de seus cidadãos a façam valer. Por isso é fundamental que todos cumpram com o seu papel de direitos e de deveres. Por exemplo, é necessário que os pais quando obtiverem recusa de seus filhos nas escolas e, sentirem os direitos de seus filhos lesados, procurem se informar através do Ministério Público ou Conselho Tutelar a respeito da legitimidade da recusa. Uma das orientações dada pelo Ministério Público quanto aos procedimentos dos pais, no caso da matrícula do filho ser rejeitada, é o de documentar a recusa, através da apresentação de pedido de matrícula por escrito. Neste sentido, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão lançou uma cartilha chamada “O acesso de pessoas com deficiência às classes e escolas comuns da rede regular de ensino” (disponível nas secretarias de Educação de todos os estados brasileiros e também na Procuradoria Geral da República. Nesta cartilha são apresentados aspectos jurídicos do direito à educação e orientações para professores, dirigentes escolares e para os pais que tenham filhos portadores de necessidades especiais.

Afinal, quem é exatamente a clientela da Educação Especial?

“É importante esclarecer que embora as necessidades especiais sejam amplas e diversificadas, a atual Política Nacional de Educação Especial aponta para uma definição de prioridades no que se refere ao atendimento especializado a ser oferecido na escola. Nessa perspectiva define como aluno portador de necessidades especiais aquele que “… por apresentar necessidades próprias e diferentes dos demais alunos no domínio das aprendizagens curriculares correspondentes à sua idade, requer recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas.” A classificação desses alunos, para efeito de prioridade no atendimento educacional especializado (preferencialmente na rede regular de ensino), consta da referida Política e dá ênfase a:

  • portadores de deficiência mental, auditiva, física e múltipla;
  • portadores de condutas típicas;
  • portadores de superdotação.

(Dados dos Parâmetros Curriculares Nacionais Adaptação Curriculares Estratégias para educação de alunos com necessidades educacionais especiais, 1998)

As exigências para incluir todas as crianças na escola deu nova perspectiva para os alunos com necessidades especiais aqui no Brasil, mas estamos apenas no começo. Existe ainda uma forte exigência pela capacitação por parte dos professores, que se sentem com muita dificuldade para conduzir a inclusão dentro da sala de aula. Existe a ciência desta necessidade por parte do MEC, que neste sentido, tem disponibilizado material para orientar e capacitar os professores através de sugestões de estratégias a serem utilizadas junto às crianças e jovens com deficiência. Há muito conhecimento sendo produzido em torno desta questão. Existem sites que disponibilizam informações a respeito da inclusão educacional com relato de experiências, dicas de estratégias, recursos, debates virtuais e cursos que podem servir como fonte de apoio para os professores, tais quais, o site da Rede Saci e do Educarede. Deve-se levar em conta também a constante reflexão dos professores sobre suas próprias práticas de sala de aula para que possam ir encontrando caminhos a partir das dificuldades que apareçam. Mesmo crianças com uma mesma deficiência podem possuir necessidades diferentes, portanto não há uma regra ou padrão que possa ser aplicada pelo professor a um único grupo. É importante que os casos sejam discutidos e pensados de forma única para que sejam bem sucedidos.

A questão da inclusão reforçou a necessidade da escola repensar seu papel e suas práticas. Caminha-se para a construção de uma nova escola que aceite e respeite as diferenças e que trabalhe sobre uma nova perspectiva, da singularidade do aluno que aprende, incluindo aqui, também, a singularidade do professor, já que nenhum professor ensina de maneira igual a outro. Ele também possui sua particularidade na forma como transmite o conhecimento. Não há um único padrão de ensino, muito menos um único aluno, idealizado, que atenda a este padrão. Este novo olhar para educação deve ser almejado como uma nova dinâmica para a relação de ensino e aprendizagem, no sentido de atentar para as singularidades. A singularidade do aluno está presente nos diferentes ritmos de aprendizagem, em uma maior ou menor afinidade com determinadas áreas, em uma habilidade maior para algumas tarefas e inabilidade para com outras, etc. Enfim, são inúmeras as evidências de que as crianças e adolescentes não apreendem conhecimentos da mesma forma e nem de forma homogênea. Repensar o papel do professor e do aluno dentro deste contexto pode beneficiar, não só, aos portadores de deficiência, de conduta e superdotados, mas a todos os alunos.

As sementes estão todas lançadas para que a educação possa de fato realizar a inclusão. Nossas leis, estatutos e diretrizes educacionais indicam o caminho, resta arregaçar as mangas para começar a implementar estas reformas, com todas as dúvidas, dificuldades e tropeços que inevitavelmente surgirão.

Ana Beatriz é psicóloga com especialização em psicologia escolar e coordenadora dos Observatórios de Educação e do Trabalho da Rede SACI

A respeito da inclusão escolar no Brasil
A respeito da inclusão escolar no Brasil