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Créditos: Street Child World Cup

Juliana Sada, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz

Em menos de dez dias, chega ao Brasil uma Copa do Mundo diferente. Ao invés de grandes craques de cada país, jovens anônimos e, muitas vezes, invisíveis. Nesse campeonato, a taça de campeão compartilha as atenções com uma declaração de direitos. É a Copa da Rua que reunirá, no Rio de Janeiro, adolescentes em situação de rua, de 14 a 17 anos, provenientes de 19 países.

“Nós acreditamos que essas crianças não devem ser marginalizadas e ignoradas, mas devem ser apoiadas e reabilitadas. É assim que a Copa da Rua surgiu”, apresenta o diretor da organização inglesa Street Child World Cup no Brasil, Joe Hewitt. “É inaceitável que no século XXI milhões de crianças sigam vivendo e trabalhando nas ruas”, acrescenta.

Em sua segunda edição, o campeonato busca dar visibilidade à situação das crianças em situação de rua. “Por meio da Copa da Rua queremos desafiar a percepção negativa e o tratamento que é dado a essas crianças”, explica Hewitt. Para ocorrer, a Copa conta com parcerias com organizações nos diferentes países que atendem crianças em situação de rua. “Os projetos dos nossos parceiros provam que por meio da proteção, reabilitação e oportunidades cada criança tem uma vida na sociedade e não nas sombras”, defende.

No Brasil, uma dessas organizações parceiras é a Associação O Pequeno Nazareno, de Fortaleza, que participa pela primeira vez do campeonato. “A Copa cumpre o papel de chamar a atenção do mundo para as graves violações de direitos sofridas pelas crianças e adolescentes em situação de rua”, explica o coordenador de Projetos Sociais da Associação, Adriano Ribeiro.
Para a edição brasileira da Copa da Rua (que tem início no próximo dia 28), são esperados 230 adolescentes que já passaram pela situação de rua. Além do campeonato, participarão de atividades culturais, visitarão a comunidade do Vidigal e realizarão a conferência mundial de crianças em situação de rua. Nesse evento, a expectativa é que os jovens produzam a Declaração de Direitos do Rio, um documento para que possam voltar a seus países com demandas e apoio à Copa da Rua.
O evento trará à tona o debate de gênero, com questões específicas das garotas em situação de rua e com a participação de times femininos. Ribeiro destaca que a Copa também pode incentivar “a superação dos problemas enfrentados pelos participantes, através de práticas esportivas”.

O Brasil participará do campeonato com duas equipes. O time feminino vem do Rio de Janeiro e é composto por meninas que participam de atividades do Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde
Social (IBISS-RJ), que desenvolve projetos em comunidades cariocas. Os meninos participarão da equipe formada pela entidade O Pequeno Nazareno, de Fortaleza.

Para montar a equipe dos garotos, foram convidados adolescentes que já estiveram em situação de rua e que estão em um processo de inserção social. “Estão lutando, como outros adolescentes que passaram pelo sofrimento de morar nas ruas, para superar os traumas”, explica Ribeiro. O coordenador acredita que “seus exemplos podem sensibilizar a sociedade e o Estado para que não aceitem mais essa tragédia”.

Futebol, direitos e violações

Hewitt ressalta a importância do futebol por ser um jogo em que todos podem participar, até os mais vulneráveis da sociedade. “Acreditamos na Copa do Mundo da Fifa e no poder do futebol, mas esses eventos devem ser para todos aproveitarem e não apenas alguns.” Em sua primeira edição, a Copa da Rua também ocorreu num período e local próximos ao Mundial da Fifa, em 2010, na cidade de Durban, na África do Sul.

“Grandes eventos, em geral, podem colocar as crianças em situação de rua em risco. Então, trabalhamos duro para garantir que não ocorra”, afirma Hewitt. Um exemplo desse impacto é o que ocorreu na última edição da Copa do Mundo, quando crianças em situação de rua foram removidas pela polícia das cidades-sede e levadas para quilômetros de distância, num processo chamado de varrição. “A Copa da Rua de 2010 resultou no fim dessa política ilegal de varrição e agora a polícia trabalha próxima às crianças e não mais contra elas.”

Ao redor do mundo, crianças e adolescentes em situação de rua enfrentam cotidianamente o risco de sofrer violência e abuso. “As questões mais comuns entre elas são a família desagregada, a pobreza e o abuso dentro de casa”, explica Hewitt. “É comum que essas crianças virem o bode expiatório de problemas, como o aumento da criminalidade.”

Panorama nacional

No Brasil, a realidade das crianças em situação de rua não é muito diferente. O triste caso do adolescente Rodrigo Kelton ilustra bem esse quadro. Com 14 anos recém-completos e se preparando para participar da Copa da Rua, Rodrigo foi assassinado nas ruas de Fortaleza, em fevereiro deste ano. Nascido em uma família pobre e com os pais viciados, Rodrigo e seu irmão passaram a ficar cada vez mais tempo nas ruas. Em 2009, entretanto, ele começou a participar das atividades de O Pequeno Nazareno.

Com a perspectiva de participar da Copa da Rua, Rodrigo ganhou um horizonte. “Ele aceitou o desafio, deixou as drogas e não perdia nenhum treino”, relata o fundador da entidade, Bernardo Rosemeyer, em um comunicado. A justificativa para o assassinato seria um crime praticado por Rodrigo há anos no território dominado por traficantes. “O passado retornou para assombrar Rodrigo, antes que a semente da nova vida pudesse crescer e trazer frutos para uma vida de dignidade.”
Para o coordenador de Projetos Sociais de O Pequeno Nazareno, Adriano Ribeiro, esse é um problema invisível para a maioria da população brasileira. “Uma criança que vive na rua, sem a proteção de um adulto, está exposta a muitos perigos, à fome, ao desrespeito, a muitas ameaças à sua vida”, relata.

Segundo pesquisa de 2011 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o Brasil tem cerca de 24 mil crianças e adolescentes em situação de rua. Realizado em 75 cidades, o levantamento revelou o perfil dessa população. Cerca de 70% são do sexo masculino, 45% estão na faixa etária dos 12 e 15 anos e 72% se declararam pardo, moreno ou negro.

A situação de privação de direitos é disseminada. Uma em cada dez crianças não se alimenta diariamente e mais de 65% exercem alguma atividade remunerada. Mais da metade das crianças já passou por alguma situação de violação de direitos, como ser barrada ao entrar num estabelecimento ou ser impedida de receber atendimento na rede de saúde. Das crianças que dormem nas ruas, 70% dizem que saíram de casa por conta da violência.

“Por meio da campanha Criança Não é de Rua, temos visitado o país inteiro e constatado que os desafios são os mesmos, porém muito complexos. Problemas complexos exigem soluções diversificadas, sérias e inovadoras”, explica Ribeiro. “Os direitos das crianças precisam sair do papel e serem assegurados pelo Estado em seus vários níveis de gestão.”

Participação

Para mudar o panorama das crianças em situação de rua ao redor do mundo, Joe Hewitt acredita ser fundamental uma mudança de postura e a participação de todos. “As crianças são estigmatizadas e desumanizadas nos olhos da sociedade e queremos que isso mude. Trabalhamos com empresários, mídia, governo e sociedade para conseguir isso”, almeja Hewitt.

Ribeiro afirma que a sociedade “não deve aceitar como normal o fato de crianças de sete, oito anos de idade serem levadas a abandonar suas famílias e viverem largadas nas ruas, dormindo sobre pedaços de papelão”. Para o coordenador, as crianças são responsabilidade de toda a sociedade. “Virar o rosto para esse problema é dar um soco na cidadania, além de ser desumano”, finaliza.

“É inaceitável que, no século XXI, milhões de crianças sigam vivendo e trabalhando nas ruas”, afirma organizador da Copa da Rua
“É inaceitável que, no século XXI, milhões de crianças sigam vivendo e trabalhando nas ruas”, afirma organizador da Copa da Rua